quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Zé Dinamite, um sujeito explosivo.

Lá pelos idos de 1960, vários caixeiros viajantes circulavam através das rodovias do norte do Brasil levando mercadorias e fazendo negócios nos mais ermos e afastados lugares desta região e eu era um deles. As estradas eram péssimas, não havia asfalto e ponte era coisa de luxo, no máximo haviam pinguelas, quando não dispúnhamos das pinguelas, era necessário passar com o veículo dentro do rio.



Nessas andanças, conheci o Zezinho, um sujeito tímido que comercializava dinamites. Nesta época as estradas eram poucas, assim era comum encontrar os mesmo colegas viajantes em pensões. Quando íamos para um mesmo destino, deixávamos um carro na pensão e seguíamos juntos num carro só. Eu era comunicativo, não tinha dificuldades para me relacionar com ninguém, mas Zezinho era fechado, não sabia lidar muito bem com as pessoas e por isso sempre me convidava para seguir viagem com ele, desse modo eu o ajudava a comercializar suas dinamites nas praças.

Numa primeira vez, segui viagem com Zezinho. Lá fomos nós: eu, ele, a Kombi e 700kg de dinamite. Durante a viagem, Zezinho fumava sem parar, praticamente uma chaminé. O vento entrava pela janela, batia na brasa do cigarro e levava a cinza pro fundo da Kombi. Aflito por ver brasa e dinamite tão próximos perguntei:

- O Zé, você não tem medo de andar com esse mundo de Dinamite aí atrás?
- Olha Zé - disse meu amigo - se essa carga aí explodir, você pode ficar tranquilo, a gente não vai sentir nada! Nem uma dorzinha, aliás não sobrará nem um pedacinho de nós, ninguém vai nem ficar sabendo quem éramos nós.

Pensei um pouco sobre isso, concordei e acendi um cigarro. Fumando, seguimos nós três: eu, Zezinho e a Kombi.

Zezinho era meio impaciente, ele ficava indignado com as pontes mal feitas e em forma de protesto, sempre que passava por uma, deixava uma dinamite acesa. Era mais ou menos assim, eu descia e dava as orientações p/ que Zezinho passasse com a Kombi, assim que passávamos, Zezinho falava:

- Zé, essa ponte é uma porcaria, tinha que matar o sem vergonha que fez uma porcaria dessas. Zé, o que que você achou dessa ponte?

- Ó, essa ponte tá ruim. Isso aí a qualquer momento vai cair.

Então Zezinho me pedia para assumir a direção, eu engatava a primeira, ficava com o pé na embreagem e dava meio acelerador p/ a Kombi permanecer com o motor cheio, enquanto isso Zezinho ia até a ponte, colocava uma dinamite com um pavio comprido, acendia, voltava correndo e pulava na Kombi, no embalo da adrenalina eu soltava a embreagem e a Kombi saía levantando cascalho, pelo retrovisor eu assistia a ponte SUMIR. Impressionado com a pirotecnia, eu ficava pensando: como são divertidas e poderosas as dinamites.



Certa vez chegamos na travessia de um rio, não havia ponte e por conta de uma cheia todos os viajantes estavam parados esperando a água baixar. Já haviam 3 dias e nada do rio baixar, os viajantes com seus caminhões, Kombis, Rurais... estavam todos parados, alguns viajavam com a família e a comida começou a faltar, eram dezenas de pessoas. Diante da situação, Zezinho, um pirotécnico de bom coração, não hesitou, convocou todos p/ que entrassem na parte rasa do rio e aguardassem o estouro. Zezinho subiu até a curva do rio, armou uma dinamite com algumas pedras, colocou um pavio bem comprido, acendeu e correu. Quando aquilo estourou veio aquela onda, era peixe pra todo lado, o pessoal tirou quilos e quilos de peixes da água, os que não estavam mortos, estavam “bêbados” com o estouro. Foi aquela festa, teve gente que pegou tantos peixes que salgou e armazenou pra levar. O vendedor de Uísque ficou eufórico e tirou uma caixa do destilado para celebrar aquele momento. Zezinho mais uma vez levou uma explosão de alegria onde havia angústia.




Naquela época era cada um por si e Deus por todos, haviam muitos assaltos, índios, onças... as vezes companheiros de viagem sumiam e ninguém ficava sabendo, assim sendo ninguém viajava sem um revólver 38. Um revólver era tão importante para um viajante quando um martelo para o marceneiro. Zezinho não gostava de inatividade e as vezes, quando parávamos para descansar ou fazer algum reparo na Kombi que insistia em desmontar ao longo das viagens, para quebrar o gelo, colocava uma banana de dinamite ao longe e de cá, eu sacava o 38 e dava um tiro certeiro na dinamite e a pirotecnia estava lançada, aquilo brilhava nos meus olhos e Zezinho rejuvenescia a cada explosão, parecíamos meninos em dia de São João.

Tanto Zé Dinamite como quem o conhecia só tinham uma certeza na vida: que mais cedo ou mais tarde iria morrer com suas dinamites, era uma questão de tempo. O destino não demorou e certa vez, num trevo da Rodovia Belém-Brasília, Zezinho bateu na traseira de um caminhão que transportava óleo cru, a Kombi de Zezinho estava lotada de dinamite e Zezinho morreu exatamente como me havia descrito, sem nem mesmo sentir dor, ele e a Kombi simplesmente desapareceram, foram pulverizados. A família de Zezinho nunca conseguiu um atestado de óbito porque nunca encontram um só pedaço do seu corpo ou de qualquer pertence para provar que estaria morto.



Quem dera todos nós tivéssemos a sorte de morrer como Zé Dinamite, pirotécnicamente.

por Zé Berimbau.

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