quarta-feira, 17 de abril de 2019

Uma intoxicação alimentar nunca é em vão.

Hoje tirei uma fraldinha da geladeira, quando abri a embalagem achei o cheiro meio estranho. A carne estava com um aspecto bonito, lavei com água corrente e voilà! Sem neura. Pensei: deve ser o cheiro do sangue da embalagem. Segui limpando o corte...

Aquele cheirinho não passava, então resolvi solicitar ajuda profissional. Liguei no açougue onde tenho hábito de comprar, pedi pra falar com o açougueiro e expliquei a novela desde a compra da peça, passando pelo armazenamento e, finalmente, a abertura da embalagem. Ele ouviu tudo pacientemente sem julgar e disse que o sangue poderia dar um cheirinho sim, mas se a data de validade estivesse dentro do prazo (e estava), não haveria razão pra temer.

Bom, seguro com o parecer profissional, segui confiante no preparo do bovino.

Já notei que quando a fraldinha não é de boa qualidade, alguns estabelecimentos costumam servi-la com bastante alho, isso acoberta um possível gostinho de curral, então foi o que fiz, descasquei duas cabeças de alho e soquei bastante pra virar uma papa consistente.

Não sei se você, caro leitor, conhece o canal Aviões e Músicas no youtube, mas lá, o Lito (proprietário) sempre frisa com ênfase: na aviação comercial, um acidente nunca é em vão. Sempre se tira lições importantes que salvam vidas evitando que os erros se repitam.

Enquanto elaborava uma maneira de mascarar o mal cheiro do corte, tive um déjà vu, essa brilhante ideia de acobertar mal cheiro em carne já me ocorrera no passado (a exatamente uma década atrás) segundos antes de engolir um pastel recheado com carne podre. Na ocasião utilizei uma superdosagem de pimenta.

Parei um pouco. Cheirei a carne novamente. Perguntei-me mentalmente porquê diabos coloco uma economia de 30 reais à frente do risco de morte (fora o gasto com medicamentos na tentativa de sobreviver).

Enquanto eu travava uma batalha mental entre "lixo X forno", meu cérebro interrompeu tudo para uma nota: PIMENTA DO REINO TAMBÉM PODE AJUDAR NO COMBATE AO CHEIRO RUIM.

Puta que pariu! Meu instinto está pouco se lixando pra sobrevivência, ele só quer sentir o prazer de uma carninha. Como poderei contar com um instinto desse? É tipo: ó come aquela granada ali ó, é um delicioso kibe!

Saí da cozinha, sentei na frente da tv, fiquei olhando tudo sem ver nada enquanto pensava: porque eu quero aproveitar essa carne? O que explica esse bloqueio que não me permite descartá-la? Outras pessoas comerão, dessa vez a vítima não será só eu. Jogo ou não jogo?

Então concluí: vou fazê-la, se ficar com gosto ruim, jogo fora.

Levantei, fui até a cozinha. Quando cheguei senti um cheiro que jamais sentira, são muitos anos preparando carnes, especialmente fraldinha. Essa dúvida plantada pela neura de "não posso gastar" não pode vencer a experiência. ÇAPORRA TÁ PODRE!

Está decidido: lixo!

Problema resolvido! Não, péra!

"Não posso jogar essa carne no lixo, vai feder muito! Vou cozinhá-la antes do descarte." - ideia brilhante.

Coloquei um pouco de água na panela de pressão, sal e a peça de carne. Liguei o fogo e orientei minha esposa: quando começar a chiar, marque 40 minutos e desligue o fogo. Saí de casa e fui pro trabalho.

Alguns minutos depois recebi a seguinte mensagem no celular: