quarta-feira, 5 de maio de 2010

O primeiro cigarro a gente nunca esquece

Lá estava eu, no alto dos meus 10 anos de idade, numa tarde de terça-feira, brincando no meio da eterna "reforma" que era a minha casa — Sim, eterna porque não me lembro de um só dia da minha infância que não houvessem materiais de construção espalhados pela casa e pertences de pedreiros nos beirais das janelas — quando de repente minha bola bate numa carteira de cigarros de um dos pedreiros que estava no beiral da janela do quarto da minha mãe e cai no chão.

O beiral da janela do quarto da minha mãe era uma espécie de armário, daqueles mais importantes, lá os pedreiros e serventes guardavam tudo: óculos, carteira, cigarro, roupas, anti-ácido, trim (cortador de unha), rapé, marmita, lápis, projeto da casa, xícara, garrafa de café, prumo, esquadro, nivelador... Enfim, era um lugar interessante p/ uma criança de 10 anos!

Fui pegar a carteira de cigarros que havia caído no chão e tive uma brilhante idéia, daquelas que aparece uma lâmpadazinha em cima da cabeça, manja? No melhor estilo "plano infalível do Cebolinha contra a Mônica". Pensei: vou furtar um bastãozinho desse aqui e esconder dentro do banheiro de fora, aí quando for tomar banho, experimento esse fumacê pra ver de qual é.

Tomar banho no banheiro de fora era "O" acontecido, algo diferente, eu tomava banho lá sempre que queria variar, sair da rotina. Na verdade o banheiro de fora era (é) pequeno, escuro e estava sempre sujo porque os pedreiros o utilizava, mas ainda assim eu me amarrava no cubículo da latrina, porque a bacia (vulgo privada) era praticamente debaixo do chuveiro, assim eu podia esmaltar a louça enquanto a água do chuveiro caía em minha cabeça engendrando um momento de puro deleite. Sem contar o porta rolos de papel higiênico dependurado atrás da porta que era surreal, além de porta papel, era porta-livros, porta-óculos ou o que coubesse lá. O gadget era verde e tinha figuras em forma de pegadas humanas, dava para ficar horas olhando para aquilo.

Bom, enfiei o cigarro debaixo de um dos rolos de papel que estava no porta-rolos e aguardei ansiosamente até o final da tarde, horário ideal para a minha estupidez traquinagem. Eram umas 18:30hs, os pedreiros já haviam ido embora, meu pai estava chegando do trabalho, nós iríamos sair, portanto minha mãe já estava berrando para me adiantar no banho. Avisei a minha mãe que iria utilizar o banheiro de fora, tirei minhas roupas no quarto e fui enrolado na toalha para o banheiro, no caminho passei na cozinha e como quem procura um biscoito no armário, surrupiei uma caixinha de fósforos sem que minha mãe pudesse notar. Pronto, meu coração estava palpitando de ansiedade: - Hoje eu experimento as delícias desse tal, tão cobiçado, cigarro.


Terça-feira era dia de ir na casa do Tio Wilson, um velho amigo de copo do meu pai, enquanto José Sarney fodia o Brasil de verde e amarelo, lá estavam os dois velhos bebendo e rindo da vida.

Nota:
Nada destrói amizades seladas com cerveja. :D

Eu adorava ir na casa do Tio Wilson, primeiro porque ele brincava de bafo e queda de braço comigo (naquela época, adultos tinham uma certa aversão a crianças), segundo porque achava a casa dele muito "chique", um mausoléu de concreto cheio de escadas onde meus lugares prediletos eram a garagem e a sala de som. Na garagem eu escutava a finada rádio 99,4 FM no Monza SL/E do meu tio ou no Kadett Marron da minha tia. Na sala de som escutava o CD do SNAP, minha música preferida era Rhythm Is A Dancer (coisa gay :/ ), num sonzão Aiwa com carrossel para 5 CDs. CDs, sala de som, Kadett, Monza..., tudo era um LUXO para aquela época. :-D E terceiro que meus pais esqueciam da minha existência me deixando livre para fazer a zona que quisesse.



Fechei a tampa do vaso sanitário, sentei, coloquei o Hollywood vermelho na boca, acendi o danado e puxei uma fumaça pra boca, o gosto foi bem ruim, minha boca encheu de saliva e eu cuspi em abundância no ralo do banheiro, mas sabia que não estava fumando corretamente, passei muitos anos vendo meus padrinhos e meu pai fumando, sabia que a fumaça tinha que entrar no pulmão e lá fui eu, dei outra chupada no Hollywood, enchi a boca de fumaça e respirei pela boca de uma vez e... PUTA QUE PARIU! Parece que havia explodido uma bomba dentro dos meus pulmões, o treco doeu e eu tossi muito, fiquei uns bons minutos tossindo como louco, eu estava vermelho tentando segurar a tosse para a minha mãe não ouvir, quase explodo!


Passado o sufoco da tosse, abri a torneira da pia e com a água corrente apaguei só a brasa incandescente do cigarro e joguei no cesto de lixo do banheiro fazendo cara de nojo e indignado como alguém poderia "fumar" aquele troço horroroso.

Terminei meu banho e fui para o quarto vestir minha roupa de sair (roupa de sair porque ir no Tio Wilson era um momento nobre e pedia minhas melhores roupas =oD), nisso meu pai já havia tomado o banho dele e estava fazendo sua tradicional fiscalização, explico: sempre que iríamos sair meu pai andava pela casa verificando todas as portas, janelas e portões. Quando ele chegou no banheiro de fora, ouvi a conversa entre ele e minha mãe:

- Nega, teve alguém agora a tarde aqui em casa que fuma e usou o banheiro?
- Não.

Nessa hora eu comecei a tremer, o pânico me dominou, mas ainda consegui pensar em algo que poderia me livrar de qualquer culpa, corri no banheiro de dentro, peguei uma bela dedada de creme dental Close-Up (azul translúcido) enfiei na boca e saí tentando engolir aquilo. De volta ao quarto, visto minha roupa como uma velha com Parkinson, tremia tremendamente (trodadalho do carilho! :-D) enquanto a conversa continuava:

- Olha, esse cigarro aqui está até meio quente, tá parecendo que foi agora, o cheiro no banheiro está terrível. Guilaaaa! (meu pai me chamando em tom normal)

- NÃO FUI EEEEEEEEEEEEEEUU! (Eu gritando de longe em tom de pânico)

Pronto, acharam o fumante!
Na verdade meu pai iria me perguntar se eu sabia quem era o dono do cigarro, poderia ter dito que era de um dos pedreiros e talvez colasse, mas meu pânico não deixou, me entreguei.

- Guila, vem aqui.
- [silêncio total]
- Foi você quem fumou esse cigarro?
- Sim. (não sei mentir, é uma merda isso)
- [TABÉÉÉÉÉFE] (bem na cara)
- Nunca mais coloque isso na boca.

E aí fodeu minha noite de terça na casa do Tio Wilson :( Ficou sem clima. Fiquei sentado na sala quietinho só assistindo TV e aguentei todo mundo que passava e perguntava o porquê d' eu estar tão "chué" e minha mãe respondia: "É que hoje ele fez uma arte e o pai dele brigou com ele.".



Tomei minha primeira e única bofetada do meu pai.

=o)